sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A mutilação genital de meninas e mulheres na África


“O Brasil não tem ideia do que é a mutilação feminina”, diz ex modelo Waris Dirie.

Por Letícia González, edição de Mayra Stachuk

Há mais de dez anos, mais precisamente em 1996, a ex-modelo somali Waris Dirie tornou-se símbolo de uma cruel tradição até então pouco divulgada: a mutilação genital de meninas e mulheres na África. Hoje, após revelar sua história ao mundo – na época ela falou com exclusividade à Marie Claire - e transformar sua cicatriz em causa, ela lança sua autobiografia, "Flor do deserto", no cinema. E veio divulgar a história no Brasil (onde o filme estréia dia 28 de maio) a convite de uma cervejaria.


Waris Dirie (à dir.) ao lado de Liya Kebede, que faz o seu papel no filme "Flor do deserto", e da diretora do longa, Sherry Hormann

Waris será madrinha do camarote da Brahma no Carnaval de São Paulo. Animada com o país, que planejava conhecer havia anos, aceitou também desfilar por uma escola de samba, a Vai Vai. “O que devo fazer? Preciso apenas estar em um carro, sentada?”, brincou, durante entrevista concedida a Marie Claire na última quinta-feira (11), no sambódromo do Anhembi. “O que brasileiras e africanas têm em comum? O bumbum! Cheguei aqui e me senti em casa!”, disse, descontraída, antes de entrar no outro assunto que a trouxe ao Brasil. “Vim também para mostrar algo que os brasileiros não sabem. Ontem, quando falei sobre a prática da mutilação numa entrevista coletiva, as pessoas ficaram horrorizadas.” Ela doará os 10 mil euros de cachê pagos pela Brahma para sua fundação, Waris Dirie Foundation, que trabalha para erradicar a prática.

Mesmo com sua luta, que já conquistou alguns avanços, Waris disse que a circuncisão feminina continua sendo praticada na África, em alguns países árabes e em comunidades de imigrantes da Europa e nos Estados Unidos. Hoje, a OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula que três milhões de meninas passem por isso a cada ano. “As coisas estão melhorando, mas não é o suficiente. O que me deixa doente é que os políticos do mundo não levam a questão a sério porque, no fim das contas, é um ‘problema de mulher’, algo relacionado à vagina. Muitos argumentam dizendo que ‘isso é religião’ ou ‘é a cultura dos outros’, quando na verdade é um crime. Especialmente quando ocorre com garotas pequenas que não podem se defender”, argumentou.

Dentre os diferentes métodos ainda utilizados, o mais cruel retira, além do clitóris, os lábios da vulva, que depois são costurados.
Mais do que apenas o controle, Waris defende a educação sobre o assunto nas comunidades e nos países com colônias africanas. “Médicos e professores precisam saber que, quando uma menina vai de férias a seu país de origem, ela pode estar prestes a ser mutilada”, explicou. Isso porque, nas comunidades que praticam a circuncisão feminina, não ser mutilada é como uma maldição. “Nenhum homem se casará com uma menina que não tenha sido circuncidada. Há muitas histórias para explicar o porquê disso, mas a verdade é que, sem ser mutilada, a mulher não será aceita”. Mãe de dois meninos, a ex-modelo afirma que os homens são os primeiros a exigir a barbárie.

Virada fantástica

Waris tinha apenas 5 anos quando passou pela operação que mutilou seu corpo. Aos 13, depois de ser vendida pelo pai para casar-se com um homem de 60 anos, decidiu fugir para longe da família, uma tribo nômade da Somália. Chegou descalça à capital, Mogadíscio, depois de dias atravessando o deserto, e conseguiu embarcar para Londres com um tio diplomata. Durante anos serviu como doméstica na casa de familiares, mas viu-se sozinha novamente quando o tio retornou à Somália. E foi trabalhando para se sustentar que acabou descoberta por um olheiro e se tornou modelo – limpava o chão de uma loja da rede Mcdonalds. Sua primeira sessão de fotos rendeu a capa do conceituado calendário Pirelli (1987). A partir daí, a carreira deslanchou. Em 1996, aos 28 anos (idade aproximada, já que a família nômade não fazia registro de nascimento), ela revelou sua história pela primeira vez em uma entrevista a Marie Claire.

Na matéria, falou de detalhes que chocaram o mundo. “Uma das minhas irmãs mais novas e duas primas morreram em consequência da circuncisão. (...) É impossível escapar. Eles te agarram, amarram e fazem. Acham que se você não for circuncidada vai dormir com qualquer um”, disse na época à jornalista Lara Ziv. Na ocasião, Waris explicou que teve de aprender a aceitar seu corpo e conviver com os limites impostos. “Ser circuncidada não quer dizer que perdi a sensibilidade no resto do corpo. (...) Mas levei muito tempo para começar a namorar. O sexo não é muito importante para mim.”



Waris fala a jornalistas em São Paulo (esq.) e conversa com mulheres na África para conscientizar sobre os efeitos da prática


Site: http://revistamarieclaire.globo.com/Revista/Common/0,,EMI121912-17637,00-O+BRASIL+NAO+TEM+IDEIA+DO+QUE+E+A+MUTILACAO+FEMININA+DIZ+EX+MODELO+WARIS+DI.html

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