IMAGEM: http://francinopolispi.blogspot.com/2009/03/bandas-para-as-festas-da-semana-santa.html
Uma proposta para viver a Quaresma de maneira diferente:
Será que estamos aproveitando da vida? Será que precisamos de tudo aquilo
que temos? Será que possuimos tudo aquilo de que necessitamos? A nossa é uma
vida de quantidade ou de qualidade? Já pensamos em melhorar nossas relações
interpessoais e o nosso papel no mundo?
Eis uma provocação para começar a Quaresma com o pé direto. Da Quarta-feira
de cinzas até o domingo da Páscoa temos 40 dias de tempo para fazer uma
revisão de nossa vida e colocá-la em dia. Sei que há muita resistência em
relação à Quaresma. É considerado um tempo chato, pois é um período
associado a privações, jejuns e à penitência. O choque é muito grande porque
vem logo depois do Carnaval, onde a tendência é liberar geral. Não é fácil
substituir o colorido das fantasias pela cor apagada das cinzas, o ritmo
alegre das marchinhas com a chatice do silêncio, a irreverência do rei Momo
com a austeridade da penitência. A tentação de prolongar a farra do Carnaval
para não encarar o rigor da Quaresma é muito grande.
É justamente por isso que, inspirado num texto da Cáritas de Vicenza
(Itália), lhe sugiro este itinerário. É uma maneira diferente de encarar a
Quaresma e o jejum. O percurso que lhe proponho vai colocar em jogo sua vida
e questionar suas atitudes, mas o esforço vale a pena porque vai levá-lo a
redescobrir o sabor da vida. O objetivo é aprender a Viver e não a
sobreviver.
A Quaresma dura 40 dias. São aproximadamente sete semanas. A cada uma delas
proponho-lhe o jejum de uma atitude sua que não o ajuda nem um pouco a viver
com qualidade. Quanto mais esta atitude for enraizada tanto mais vai lhe
custar caro desistir dela. Mas o sacrifício é para ativar os sentidos e a
mente. É para se sentir vivo. É para sair da rotina, reavaliar as escolhas e
desafiar o estilo de vida fossilizado. Não lhe escondo que precisa de
coragem para se desafiar e se questionar. Mas é isso que vai lhe render um
novo sabor á vida. Vai descobrir que a Quaresma não é um período para
“estragar prazeres”, mas uma oportunidade para redescobrir o prazer de
viver. Não é tempo para “mortificar” o corpo, mas para “revivificá-lo”. É
oportunidade para valorizar outras dimensões da vida que ultimamente vêm
sendo descuidadas. O jejum é uma maneira para desistir de alguns sabores
“artificiais” e “contaminados” para que o paladar possa voltar a sentir o
gosto autêntico da vida. Não visa sacrificar os sentidos ou acabar com eles,
mas procura afiná-los. Serve para educar os olhos a enxergar em
profundidade, para sintonizar os ouvidos na onda da verdade, para levar o
tato para além das aparências, para orientar o olfato a “cheirar” a essência
da vida e para acostumar o paladar ao gosto da vida plena. Não é pouca coisa
em tempos de grandes contaminações.
A Quaresma é uma provocação, uma afronta a um estilo de vida que reduz o ser
humano às necessidades materiais, que se preocupa em encher os carrinhos das
compras no lugar de preencher a vida, que busca aperfeiçoar a aparência em
detrimento da essência, que se trincheira no estrito mundo de seus
interesses em vez de se abrir à solidariedade e à partilha. A quaresma é uma
proposta de mudança pautada no essencial. É um tempo muito precioso, uma
oportunidade única para aqueles que entendem que a busca de uma vida melhor
passa pela aproximação a Deus que é a fonte da vida.
1.O JEJUM DO MEDO DO “OUTRO”, A ABSTINÊNCIA DA INTOLERÂNCIA (de 9 a 12 de
março) Hoje nós vivemos num mundo pluralista, mas temos ainda muita
dificuldade para encarar esta realidade. Ainda não aprendemos a conviver com
as diferenças. Qualquer um com aparência mais ou menos diferente que
atravesse nosso caminho é olhado como bizarro e imediatamente excluído do
convívio. É de outra raça, de outro sexo, de outra cor, de outra religião,
de outra posição política, de outra classe social. Sua alteridade é
percebida como um incômodo. É algo que importuna. Provoca medo. Desnuda a
nossa pretensão de sermos os “únicos” e os “melhores”. Relativiza nossas
posições. Questiona nossa mesmice, que se revolta furibunda diante da
ousadia do outro que teima em ser outro e diferente. Chega até a engatilhar
reações violentas que podem levar à eliminação do diverso.
Para ver isso não precisa ir muito longe de nós. A intolerância, de forma
subtil, está minando todas as nossas relações interpessoais. Ela é evidente,
inclusive, em nossas comunidades e em nossos grupos de trabalhos, nas nossas
igrejas e em nossos movimentos. Está de moda uma re-edição da “ex-comunhão”
contra todos aqueles que não concordam com nossas crenças, nossas opções e
nosso jeito de encarar a vida. Estamos diante de uma verdadeira contradição
de nossos tempos. Se por um lado se constata, nesta época de globalização,
que as culturas e as religiões se aproximam cada vez mais, e que no coração
de todas as culturas brota um autêntico desejo de paz, por outro lado se
constatam incompreensões, existem preconceitos e mal-entendidos
profundamente enraizados, que levantam barreiras e alimentam divisões. É o
medo ao diverso, ao desconhecido.
Encarar este medo é o primeiro desafio para nosso itinerário quaresmal.
Durante a primeira semana de Quaresma queremos verificar nosso grau de
intolerância. É tempo de jejuar do medo do outros e de sentir o gosto da
acolhida fraterna e do diálogo, do conhecimento e do respeito recíprocos.
Para começo de conversa é bom lembrar logo que, apesar das diferenças,
gozamos da mesma dignidade. As diferenças não contam pontos nas graduatórias
de valor. Não existem “raças superiores”. As pessoas têm um valor intrínseco
que independe do credo religioso, da raça, da cor, do gênero, da opção
política... Este valor está intimamente ligado à sua condição humana.
Afirmada a igualdade, é necessário reconhecer a individualidade de cada ser
humano: se todos são intrinsecamente iguais, não pode haver discriminações
que excluam determinadas pessoas ou grupos do exercício de determinado
direito por terem realizado determinadas escolhas de modo de vida, como a
opção religiosa, ou possuírem determinadas características intrínsecas, como
as de gênero. Admite-se até que haja discordância diante de certas opções,
mas nada pode justificar a negação dos direitos e o recurso a posturas
agressivas, intolerantes e discriminatórias em relação a quem tem ponto de
vista diferente do nosso. O outro, apesar das diferenças, continua sendo meu
irmão.
Feitos estes esclarecimentos, é hora de fazer um levantamento dos principais
preconceitos. Cuidado com os preconceitos silenciosos que guardamos no
coração e que conseguimos disfarçar bem.
Trazemos para perto de nós as pessoas que mais discriminamos. Procuramos o
diálogo, dispondo-nos a ouvir mais as razões de suas escolhas. A derrota da
intolerância passa pelo conhecimento atencioso do outro e da acolhida
respeitosa de suas diferenças.
2. O JEJUM DO ÁLCOOL (de 13 a 19 de março) Já reparou que o álcool é
companheiro inseparável de nossos finais de semana e de nossos momentos de
lazer. Toda vez que um grupo de pessoas quer se encontrar o ponto marcado é
quase sempre a mesa de um barzinho. Pode até desistir alguém, mas o álcool
nunca pode faltar. Ele é o convidado número 1, o centro das atenções. A
conversa sempre rola com um copo na mão. Sem ele não rola nada. Com ela o
assunto desce redondinho. A coisa piora com as festas. Balada sem álcool nem
pensar. É caretice. Ele é o grande anfitrião. A lista das bebidas é mais
importante da lista dos convidados. O sucesso do evento depende delas. Os
comentários do dia seguinte não deixam dúvidas. É o álcool que manda ou
desmanda. A curtição está intimamente ligada a ele. Beber se torna mais
importante do que se encontrar. A bebida tem a melhor sobre as pessoas.
Damos mais atenção a ela do que a nós mesmos e aos outros. Bebemos sem
limites e acabamos perdendo todos os limites.
Que tal mudar isso? Na segunda semana da Quaresma queremos aprender a curtir
sem álcool. Não estou dizendo que tomar bebidas alcoólicas é pecado. Mas é
um verdadeiro pecado quando elas se tornam as protagonistas das diversões e
das baladas. Será que precisamos beber para ficarmos divertidos? Será que
alcançamos um grau de chatice que não somos mais capazes de dar conta de uma
festa sem o álcool? Porque para se divertir ou relaxar precisamos beber em
excesso? O álcool atrapalha. Não é verdade que nos torna mais desinibidos.
Ele distorce nossos sentidos. Altera nossa percepção das coisas e das
pessoas. Inclusive deixa as pessoas mais violentas e deprimidas. É muito
freqüente ver bêbado brigar, se acabar no choro ou cair num sono profundo. O
que sobra é a ressaca do dia seguinte e uma grande dor de cabeça, que pode
ser ainda maior dependendo das besteiras que fizemos na hora de encher a
cara. É hora de parar e refletir sobre isso. O excesso de consumo de álcool
é um verdadeiro problema de saúde pública. Está nos atrapalhando. Se
estivermos insatisfeitos com nossa vida e com o mundo, a melhor coisa a
fazer é ficar sóbrios para mudar a realidade. Se a festa for chata vamos
colocar para funcionar nossa criatividade para torná-la mais alegre. A vida
é melhor sem dependências.
Nessa semana nosso jejum vai ser desistir do álcool. Convidem os colegas
para sair para jogar conversa fora, mas sem levar o álcool. Na sobriedade
ativem os cinco sentidos. Deixem o paladar sentir o gosto da amizade
autêntica, o sabor das conversas descontraídas e o prazer das gargalhadas.
Aprendam a conversar de cara limpa, sem se esconder atrás de um copo de
cerveja. Inventem novas formas de curtição “ao natural”. Procurem conhecer
os outros de olhos limpos, de ouvidos atentos, sem a distorção do álcool.
Deixem a pé o álcool e vão encarando a vida sem depender dele. Se lhe der
muita corda vai virar escravo dele, como diz um famoso provérbio chinês:
“Primeiro o homem bebe um copo. Depois o copo bebe outro copo e, no final, o
copo bebe o homem”. Gole após gole a cachaça engole. Jejuar do álcool é
atitude de responsabilidade e de consideração com a própria vida e aquela
dos outros.
3. O JEJUM DO BARULHO (de 20 a 26 de março) O outro dia estava lendo no
jornal que estão aumentando assustadoramente os problemas de audição. Não
podia ser diferente. Vivemos o tempo todo imersos em sons e ruídos. Parece
que não somos mais capazes de viver sem barulho. Em casa tem sempre alguma
coisa ligada. Às vezes há mais de um aparelho eletrônico plugado ao mesmo
tempo. A TV fica ligada o dia inteiro. No carro não dá para andar sem o som
ligado. Há pessoas inclusive que montam um verdadeiro arsenal de caixas de
som no porta-malas transformando seus carros em trios elétricos. Até quem
anda a pé não consegue se desligar. É fone no ouvido o tempo todo e a todo
volume. É um barulho ensurdecedor que não deixa fazer silêncio, que impede a
escuta de si mesmo, dos outros e de Deus. Parece uma fuga de si mesmo e uma
imersão numa situação de torpor para ajudar a esquecer os problemas de cada
dia.
Nesta semana queremos aprender a fazer silêncio. Vários ditados populares
dão importância ao silêncio: “Deus nos deu uma boca e dois ouvidos para que
possamos menos falar e mais ouvir”; “Manter a boca fechada e os olhos bem
abertos”, diz uma versão italiana; “Em boca fechada não entra mosca”, dizem
os espanhóis e portugueses. Enfim, o provérbio árabe “cada palavra que tu
falas é uma espada que te ameaças” induz à prudência e ao cálculo sobre o
que, como e em que ocasião falar. De qualquer forma o silêncio é de ouro. É
importante para o nosso equilíbrio e principalmente para nos encontrarmos
com nós mesmos, com os outros e com Deus. É um exercício que nos ajuda a
refletir, a afinar o sentido da audição e a melhorar a comunicação. Por
isso, durante esta semana, façam o jejum da TV e do rádio para prestar mais
atenção a si mesmos, aos outros e a Deus. Evitem falar alto e falar pelos
cotovelos. Não assistam à televisão durante as refeições. Usem estes
momentos para dialogar com seus familiares. Substituam os programas
televisivos, sobretudo aqueles de baixo nível, com uma boa leitura. Na hora
de dialogar com os outros, ouçam com carinho, sem interromper. Dediquem mais
tempo á leitura, à meditação da Palavra de Deus e à oração.
Não dá para se encontrar com Deus na bagunça. É quanto nos revela a
experiência do Profeta Elias (1Re 19, 11-14): passou um vento impetuoso e
Deus não estava; depois houve terremotos e Deus não estava; veio o fogo e
Deus não estava, e depois “ouviu-se” o murmúrio de uma brisa leve e suave e
Deus se manifestou ao Profeta, o qual, ante a presença do Senhor, cobriu o
rosto.
O próprio Jesus quando quer rezar se afasta das multidões, se retira para um
lugar deserto e permanece em silêncio. Inclusive, insiste sobre o silêncio
quando nos ensina a necessidade da oração interior: “Tu, porém, quando
orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai que está
escondido. E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa. Quando
orardes, não useis de muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que
serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois o
vosso Pai sabe do que precisais, antes de vós o pedirdes.” (cf. Mt 6, 6-8).
Buscar o silêncio na oração, portanto, é uma atitude decisiva porque que nos
leva à contemplação do rosto de Deus e das verdades eternas que são
indispensáveis para temperar a vida com os sabores da eternidade.
4.O JEJUM DA WEB (de 27 de março a 2 de abril) O saudoso Chacrinha tinha
razão: “Quem não se comunica, se trumbica”. O ser humano é por sua natureza
um ser comunicativo. Sem comunicação, ele não sobreviveria, as relações
sociais ficariam comprometidas e o mundo afundaria. Portanto, a comunicação
é vida. A humanidade sabe disso. Ao longo de sua história investiu muito no
aprimoramento dos meios de comunicação. Primeiro aprendeu a falar, depois a
escrever. Inicialmente limitou-se a comunicar por perto. Depois, com a
descoberta de outros mundos e a invenção dos meios de comunicação, foi se
conectando com o mundo todo. Hoje, através da internet, a comunicação não
conhece fronteiras. Em poucos instantes é possível se comunicar de um lado
ao outro do planeta sem nenhum esforço e a custo zero.
Porém, apesar dos sofisticados meios de comunicação que garantem contatos
rápidos e a qualquer distância, a comunicação do dia-a-dia sofre muitas
interferências e acaba falhando. Longos silêncios, dificuldades de se
expressar e de ouvir, incompreensões, linguagens diferentes são algumas das
falhas que dificultam a comunicação.
Há pessoas que passam muitas horas do dia frente a um computador navegando
pelas ondas cibernéticas, em altos papos com internautas do mundo inteiro,
mas que não trocam nem uma palavra com os membros de sua família e com os
vizinhos. Estão interconectados à distância, mas desligados dentro de casa,
no trabalho e com a vizinhança. Há alguém que diz que a internet aproxima
quem está longe e afasta quem está perto. Essa afirmação, em parte, tem
sentido. Para alguns é muito mais fácil comunicar on-line do que encarar o
outro e lidar com o desconforto de não saber para onde olhar. Preferem as
relações virtuais porque não envolvem, dispensam o contato físico, são menos
comprometedoras daquelas reais. É o paradoxo dos nossos dias: no mundo da
comunicação de massa, as pessoas não comunicam direto. A falta de
comunicação é a maior queixa, em casa, na escola, no emprego e na sociedade.
Muitos problemas que infernizam nossa vida e muitos mal entendidos, até
engraçados, podem ser debitados às falhas na comunicação.
O que podemos fazer? Nessa semana vamos viver off-line. Não estou pedindo
para desligar totalmente o computador, mas de reduzir o tempo que lhe
dedicamos usando-o somente para aquilo que é estritamente necessário na
nossa vida pessoal e profissional. O mesmo jejum cibernético pode ser pedido
para as crianças e adolescentes quanto ao uso de jogos eletrônicos. O que
lhes peço é sair do mundo das relações virtuais para encarar as relações
reais. Vamos priorizar o face-a-face, o contato físico, o cuidado. O jejum
da internet vai nos ajudar a afinar todos os sentidos, sobretudo do tato e
do olfato. Vamos voltar a sentir o prazer da presença física do outro, mesmo
se isso nos inquieta, nos questiona e nos interpela. Vamos dedicar tempo à
nossa família. Vamos voltar a brincar com nossos filhos. É muito mais
saudável bater uma bola do que ficar colado numa cadeira vidrado numa
telinha. Inclusive, o tempo que costumamos passar fechados no quarto diante
do computador seja utilizado para tocar com mão as realidades humanas,
sobretudo aquelas marcadas pelo sofrimento. Dediquemos esse tempo à prática
da solidariedade. No dia do aniversário de amigos e parentes, quando for
possível, substitua os torpedos e os e-mails com um abraço bem dado. Todos
nós estamos precisando disso para humanizar as nossas relações.
5.O JEJUM DA VIOLÊNCIA (de 3 a 9 de abril)
Alguns dias atrás o Ministério da Justiça publicou o Mapa da Violência. De
1998 a 2008 no Brasil foram assassinadas 521.822 pessoas. Cinqüenta mil
mortos por ano. O dado que assusta ainda mais é que a maioria destas vítimas
é constituída por jovens com idade entre 15 e 24 anos. É assustador. O
Brasil vive uma verdadeira guerra civil. Precisa fazer alguma coisa para
parar esta carnificina. A sociedade está apavorada, mas não consegue dar
respostas adequadas. Vive aprisionada em profundas contradições. Cria bodes
expiatórios em cujas costas joga a culpa daquilo que está acontecendo e
invoca um recrudescimento da repressão como medida necessária para
reverter o quadro. Os meios de comunicação, por sua vez, fazem da violência
um espetáculo. Não nos informam sobre as razões e riscos da violência, mas
sobre a própria violência. Não suscitam uma opinião pública, mas uma emoção
pública. “A informação a que somos submetidos faz de nós voyeurs que vêem os
outros sofrer e morrer. Já não temos qualquer distanciamento em relação ao
acontecimento que se desenrola sob os nossos olhos em tempo real. Sem ele,
já não há lugar para o pensamento” (Müller). A violência é um fenômeno
irracional que está sendo enfrentado de maneira irracional.
Para reverter este quadro precisamos começar admitindo que a violência não é
um surto, uma onda, um acidente da civilização. Ela é um fato da
civilização. Ela é paradigmática. Faz parte do paradigma dominante. Não é
episódica, algo que está acidentalmente no caminho, mas algo metódico que
perpassa todo caminho. Faz parte da modernidade. A razão moderna é violenta.
A cultura dominante de hoje se estrutura ao redor da vontade de poder que se
traduz por vontade de dominação da natureza, do outro, dos povos e dos
mercados. Nas festas nacionais os heróis são ligados a acontecimentos de
guerra e de violência. Na vida do dia-a-dia o militar, o banqueiro, o
especulador, o poderoso, o experto em geral valem mais do que o poeta, o
filósofo, o santo. Nos meios de comunicação a violência é corriqueira e
banalizada. O ser humano não vale por aquele que é, mas por aquilo que
aparece, que pode e que possui. Nas relações humanas vigora a lei do mais
forte, numa concorrência eliminatória onde triunfa o poderoso. Nas relações
de trabalho há muita competitividade e nas relações comerciais impera a
concorrência desleal. Há uma inversão de valores. Nossa sociedade prefere
homens-coisas a homens-pessoas; individualistas a seres solidários;
competitivos a cooperativos; bem informados, mas pouco pensantes; clientes a
protagonistas; vingativos a misericordiosos; homo consumens a homo sapiens.
Neste contexto a vitória sobre a violência não passa pelo aumento do efetivo
policial ou pelo recrudescimento das penas, mas somente por uma profunda
conversão que leve a uma mudança de paradigmas na vida pessoal e social. À
cultura da violência e da morte precisa substituir a cultura da Paz que deve
permear todas as nossas escolhas. Não adianta invocar a paz se em casa, no
trabalho, no trânsito, na economia e nas relações interpessoais assumimos
posturas agressivas, violentas, desrespeitosas com a vida, em todas suas
manifestações, e com a dignidade dos outros. A Paz é a gente que faz. Começa
em nossa vida, em nossa casa, em nossa igreja... Chega de brigas em casa, no
condomínio, no serviço, na escola. Comprometemos em primeira pessoa a
quebrar o círculo vicioso da violência. Desarmemo-nos. Desarmemos nossa
língua evitando expressões agressivas. Despimo-nos da presunção de termos
sempre razão. Ouçamos com atenção a opinião dos outros. Tratemos com
cordialidade nossos adversários. Procuremos abrir um canal de diálogo.
Respeitemos a vida e a dignidade de cada pessoa, sem nenhum tipo de
discriminação. Pratiquemos a não-violência ativa, rejeitando a violência em
quaisquer de suas formas (física, sexual, psicológica, econômica e social),
especialmente em relação aos mais fracos e vulneráveis, como crianças e
adolescentes. “O primeiro princípio da ação não-violenta é a não-cooperação
com tudo que é humilhante” (Mahatma Gandhi). Cultivemos a generosidade,
compartilhando o tempo e os recursos materiais, a fim de terminar com o
egoísmo, a exclusão, a injustiça e a opressão política e econômica. “A
generosidade - o amor - é o fundamento de toda socialização porque abre um
espaço para o outro ser aceito como ele é. E, a partir daí, podermos
desfrutar sua companhia na criação do mundo comum, que é o social” (Humberto
Maturana). Defendamos a liberdade de expressão e a diversidade cultural,
privilegiando sempre a escuta e o diálogo, sem ceder ao fanatismo, nem à
maledicência e à rejeição ao próximo: “Em um diálogo não há a tentativa de
fazer prevalecer um ponto de vista particular, mas a de ampliar a
compreensão de todos os envolvidos” (David Bohm). Redescubramos a
solidariedade, saindo da casca do individualismo e unindo-nos aos outros
para buscar o bem comum e o desenvolvimento das comunidades.
7.O JEJUM DA GASTANÇA (de 10 a 16 de abril) Camisas e vestidos de marcas
famosas no armário. Fim do salário muito antes de acabar o mês. Atração
fatal pelo Shopping. Vontade de comprar um jeans uma semana depois de ter
adquirido um novo... Se você se identificou com alguma dessas
características, pode-se dizer que está inserido no grupo de consumidores
vorazes, capaz de gastar muito dinheiro em coisas supérfluas.
O consumismo é febre mesmo. É doença grave e contagiosa. Ataca quem tem
cabeça fraca e se deixa levar pela conversa. O principal sintoma é uma
vontade louca de gastar e comprar sem necessidade. Serve-se de sofisticadas
artimanhas e de arapucas mercadológicas para conquistar e aprisionar o
consumidor inveterado. Seus efeitos são arrasadores. Se não se cuidar, o
consumidor acaba entrando numa gastança onde, ao consumir, é consumado; ao
gastar, se gasta e se desgasta.
Por trás de tudo isso tem a eterna insatisfação do ser humano. Este está
sempre em busca de algo a mais. Tem fome de felicidade. A propaganda sabe
disso e tira proveito. Com seus efeitos especiais cria água na boca dos
consumidores. Suas propostas tornam-se irrecusáveis aos paladares dos
consumidores. O resultado é sempre o mesmo: o superficial se torna
essencial, o secundário transforma-se em prioridade e o descartável é
imposto como imprescindível. O ser humano é induzido a gastar para ser
feliz. Como diz H. Fromm, para o homem moderno a felicidade consiste em
olhar as vitrines e comprar à vista ou em parcelas tudo o que pode se
permitir, independentemente se for útil ou não. É o triunfo da cultura da
casca. O ter tornou-se mais importante do ser. A aparência deixou para trás
a essência. O cara é o tal pelo dinheiro e se estiver na moda. O que manda é
o poder aquisitivo. Vale quem tem dinheiro no bolso para gastar.
Toda esta voracidade tem efeitos devastadores para o planeta e a humanidade.
O consumo desenfreado acelera o desgaste das matérias primas, a destruição
do meio ambiente e o aumento vertiginoso da miséria. Enquanto uns pouco se
dão ao luxo de desperdiçar, grandes multidões são condenadas a fome.
Uma boa parte daquilo que é produzido acaba no lixo. O planeta está se
transformando numa imensa lixeira. Os recursos hídricos arriscam de acabar
e o deserto avança em ritmo vertiginoso.
Se quisermos salvar o planeta de um desastre ecológico e boa parte da
humanidade das conseqüências da fome temos que gastar menos e tomar as
distâncias das empresas que visam somente o lucro sem se importar com o meio
ambiente e com os direitos dos trabalhadores. Em outras palavras precisamos
entrar no caminho da sobriedade e do consumo crítico.
A sobriedade é um estilo de vida que consegue distinguir entre as
necessidades reais e aquelas impostas pela propaganda e que condiciona o seu
consumo ao respeito pelo meio ambiente e ao acesso universal aos bens da
terra.
A sobriedade se sustenta sobre quatro pilares:
Reduzir: buscar o essencial, resistindo às pressões da propaganda.
Recuperar: re-utilizar tudo até que for possível usando, sobretudo material
reciclável.
Reparar: não jogar fora nada que possa ser reformado e re-utilizado.
Respeitar: tratar com carinho tudo aquilo que torna possível a vida.
Durante esta semana procuremos viver sobriamente. Compremos o estritamente
necessário. Procuremos conhecer melhor as firmas dos produtos que compramos.
Boicotemos aquelas que não têm um histórico de respeito pelos direitos dos
trabalhadores e pela natureza. Não nos deixemos levar pelas modas. A
verdadeira originalidade é o estilo da pessoa. Recuperemos os velhos
vestidos ou doamo-los a quem precisa. Desliguemos as luzes quando não há
necessidade, cuidemos do consumo da água e façamos a coleta seletiva do
lixo. Investimos o que poupamos para um projeto de solidariedade.
Não são os bens materiais que fazem feliz o ser humano. Eles podem até
ajudar, sobretudo quando satisfazem as necessidades básicas. Mas quando são
absolutizados, tiranizam as pessoas e as escravizam. Feliz é o ser humano
que busca adquirir aqueles conhecimentos morais, religiosos, profissionais e
humanos que o ajudam a cultivar o ser e a viver como gente de verdade.
8.O JEJUM DA VIDA ESTRESSADA (de 17 a 23 de abril)
“O nosso desejo despreza e descuida do que tem nas mãos, para correr atrás
daquilo que não tem” (Michel de Montaigne). É isso mesmo. A nossa sociedade
sofre de estresse. É o mal do século. O nosso dia-a-dia é uma verdadeira
loucura, um correr atrás do tempo, uma lista interminável de tarefas a
cumprir. Quem manda é a agenda. O tempo está totalmente loteado. Até as
crianças estão com a agenda lotada. Não temos mais tempo para a família,
para a igreja, para contemplar a beleza de uma paisagem, para relaxar, para
cultivar um hobby, para passear, para cheirar os perfumes das flores, para
ficar á toa... Não paramos nem diante do sofrimento e da morte. Não temos
tempo de visitar um doente ou de participar de um enterro. Parece ter uma
ordem peremptória: “Não dá para parar. O tempo é dinheiro”. No mundo
dominado pelo capital o tempo passa a ter valor na medida em que gera lucro.
Todas as atividades marcadas pela gratuidade, pela solidariedade, pela
afetividade não passam de tempo desperdiçado.
Nessa última semana, ao fazer o jejum do estresse, queremos nos apoderar do
tempo. O tempo é vida. É precioso. Daí a necessidade de sabê-lo administrar
bem. Uma das causas do estresse, de fato, é o mau uso do tempo. “O tempo
não é como as riquezas, que podem ser acumuladas para uso posterior. Quem
não administra o seu tempo joga sua vida fora, porque um dia só pode ser
vivido uma vez. Se o tempo de um dia não for usado sabiamente, não há como
aproveitá-lo no dia seguinte. Amanhã será sempre um novo dia e o hoje
perdido terá sido perdido para sempre.” (Eduardo Chaves).
O uso sábio do tempo depende dos objetivos que pretendemos alcançar e dos
valores que orientam nossas escolhas. Se o nosso alvo principal é ganhar
dinheiro, é claro que todo o nosso tempo será investido nisso. As outras
coisas serão imoladas no altar do lucro. Se, ao contrário, acreditarmos que
a vida, além das coisas materiais, é feita de espiritualidade, afetividade,
gratuidade e solidariedade, então organizaremos o nosso tempo para que haja
espaço também para estas dimensões. Jejuar do estresse, portanto, significa
sentir o gosto do tempo bem empregado para o desenvolvimento integral do ser
humano.
Por isso:
“Tire um tempo para pensar
Trova il tempo di pregare Tire um tempo para orar Trova il tempo di ridere
Dedique tempo para rir È la fonte del potere É a fonte de energia È il più
grande potere sulla Terra É a maior potência da Terra È la musica
dell'anima. É a música da alma.
Trova il tempo per giocare Tome tempo para brincar Trova il tempo per amare
ed essere amato Dedique tempo para amar e ser amado Trova il tempo di dare
Encontre tempo para dar È il segreto dell'eterna giovinezza É o segredo da
eterna juventude È il privilegio dato da Dio É o privilégio dado por Deus La
giornata è troppo corta per essere egoisti. O dia é demasiado curto para ser
egoísta.
Trova il tempo di leggere Encontre tempo para ler Trova il tempo di essere
amico Encontre tempo para ser amigo Trova il tempo di lavorare Dedique tempo
para trabalhar È la fonte della saggezza É a fonte de sabedoria È la strada
della felicità É o caminho para a felicidade È il prezzo del successo. É o
preço do sucesso.
Trova il tempo di fare la carità Encontre tempo para fazer caridade È la
chiave del Paradiso. É a chave para o paraíso.”-- Anonimo ( scheda )
Boa Quaresma para uma Feliz Páscoa de Vida Nova.
Pe. Saverio Paolillo (PE. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo REDE AICA –
Atendimento Integrado à Criança e ao Adolescente
Uma proposta para viver a Quaresma de maneira diferente:
Será que estamos aproveitando da vida? Será que precisamos de tudo aquilo
que temos? Será que possuimos tudo aquilo de que necessitamos? A nossa é uma
vida de quantidade ou de qualidade? Já pensamos em melhorar nossas relações
interpessoais e o nosso papel no mundo?
Eis uma provocação para começar a Quaresma com o pé direto. Da Quarta-feira
de cinzas até o domingo da Páscoa temos 40 dias de tempo para fazer uma
revisão de nossa vida e colocá-la em dia. Sei que há muita resistência em
relação à Quaresma. É considerado um tempo chato, pois é um período
associado a privações, jejuns e à penitência. O choque é muito grande porque
vem logo depois do Carnaval, onde a tendência é liberar geral. Não é fácil
substituir o colorido das fantasias pela cor apagada das cinzas, o ritmo
alegre das marchinhas com a chatice do silêncio, a irreverência do rei Momo
com a austeridade da penitência. A tentação de prolongar a farra do Carnaval
para não encarar o rigor da Quaresma é muito grande.
É justamente por isso que, inspirado num texto da Cáritas de Vicenza
(Itália), lhe sugiro este itinerário. É uma maneira diferente de encarar a
Quaresma e o jejum. O percurso que lhe proponho vai colocar em jogo sua vida
e questionar suas atitudes, mas o esforço vale a pena porque vai levá-lo a
redescobrir o sabor da vida. O objetivo é aprender a Viver e não a
sobreviver.
A Quaresma dura 40 dias. São aproximadamente sete semanas. A cada uma delas
proponho-lhe o jejum de uma atitude sua que não o ajuda nem um pouco a viver
com qualidade. Quanto mais esta atitude for enraizada tanto mais vai lhe
custar caro desistir dela. Mas o sacrifício é para ativar os sentidos e a
mente. É para se sentir vivo. É para sair da rotina, reavaliar as escolhas e
desafiar o estilo de vida fossilizado. Não lhe escondo que precisa de
coragem para se desafiar e se questionar. Mas é isso que vai lhe render um
novo sabor á vida. Vai descobrir que a Quaresma não é um período para
“estragar prazeres”, mas uma oportunidade para redescobrir o prazer de
viver. Não é tempo para “mortificar” o corpo, mas para “revivificá-lo”. É
oportunidade para valorizar outras dimensões da vida que ultimamente vêm
sendo descuidadas. O jejum é uma maneira para desistir de alguns sabores
“artificiais” e “contaminados” para que o paladar possa voltar a sentir o
gosto autêntico da vida. Não visa sacrificar os sentidos ou acabar com eles,
mas procura afiná-los. Serve para educar os olhos a enxergar em
profundidade, para sintonizar os ouvidos na onda da verdade, para levar o
tato para além das aparências, para orientar o olfato a “cheirar” a essência
da vida e para acostumar o paladar ao gosto da vida plena. Não é pouca coisa
em tempos de grandes contaminações.
A Quaresma é uma provocação, uma afronta a um estilo de vida que reduz o ser
humano às necessidades materiais, que se preocupa em encher os carrinhos das
compras no lugar de preencher a vida, que busca aperfeiçoar a aparência em
detrimento da essência, que se trincheira no estrito mundo de seus
interesses em vez de se abrir à solidariedade e à partilha. A quaresma é uma
proposta de mudança pautada no essencial. É um tempo muito precioso, uma
oportunidade única para aqueles que entendem que a busca de uma vida melhor
passa pela aproximação a Deus que é a fonte da vida.
1.O JEJUM DO MEDO DO “OUTRO”, A ABSTINÊNCIA DA INTOLERÂNCIA (de 9 a 12 de
março) Hoje nós vivemos num mundo pluralista, mas temos ainda muita
dificuldade para encarar esta realidade. Ainda não aprendemos a conviver com
as diferenças. Qualquer um com aparência mais ou menos diferente que
atravesse nosso caminho é olhado como bizarro e imediatamente excluído do
convívio. É de outra raça, de outro sexo, de outra cor, de outra religião,
de outra posição política, de outra classe social. Sua alteridade é
percebida como um incômodo. É algo que importuna. Provoca medo. Desnuda a
nossa pretensão de sermos os “únicos” e os “melhores”. Relativiza nossas
posições. Questiona nossa mesmice, que se revolta furibunda diante da
ousadia do outro que teima em ser outro e diferente. Chega até a engatilhar
reações violentas que podem levar à eliminação do diverso.
Para ver isso não precisa ir muito longe de nós. A intolerância, de forma
subtil, está minando todas as nossas relações interpessoais. Ela é evidente,
inclusive, em nossas comunidades e em nossos grupos de trabalhos, nas nossas
igrejas e em nossos movimentos. Está de moda uma re-edição da “ex-comunhão”
contra todos aqueles que não concordam com nossas crenças, nossas opções e
nosso jeito de encarar a vida. Estamos diante de uma verdadeira contradição
de nossos tempos. Se por um lado se constata, nesta época de globalização,
que as culturas e as religiões se aproximam cada vez mais, e que no coração
de todas as culturas brota um autêntico desejo de paz, por outro lado se
constatam incompreensões, existem preconceitos e mal-entendidos
profundamente enraizados, que levantam barreiras e alimentam divisões. É o
medo ao diverso, ao desconhecido.
Encarar este medo é o primeiro desafio para nosso itinerário quaresmal.
Durante a primeira semana de Quaresma queremos verificar nosso grau de
intolerância. É tempo de jejuar do medo do outros e de sentir o gosto da
acolhida fraterna e do diálogo, do conhecimento e do respeito recíprocos.
Para começo de conversa é bom lembrar logo que, apesar das diferenças,
gozamos da mesma dignidade. As diferenças não contam pontos nas graduatórias
de valor. Não existem “raças superiores”. As pessoas têm um valor intrínseco
que independe do credo religioso, da raça, da cor, do gênero, da opção
política... Este valor está intimamente ligado à sua condição humana.
Afirmada a igualdade, é necessário reconhecer a individualidade de cada ser
humano: se todos são intrinsecamente iguais, não pode haver discriminações
que excluam determinadas pessoas ou grupos do exercício de determinado
direito por terem realizado determinadas escolhas de modo de vida, como a
opção religiosa, ou possuírem determinadas características intrínsecas, como
as de gênero. Admite-se até que haja discordância diante de certas opções,
mas nada pode justificar a negação dos direitos e o recurso a posturas
agressivas, intolerantes e discriminatórias em relação a quem tem ponto de
vista diferente do nosso. O outro, apesar das diferenças, continua sendo meu
irmão.
Feitos estes esclarecimentos, é hora de fazer um levantamento dos principais
preconceitos. Cuidado com os preconceitos silenciosos que guardamos no
coração e que conseguimos disfarçar bem.
Trazemos para perto de nós as pessoas que mais discriminamos. Procuramos o
diálogo, dispondo-nos a ouvir mais as razões de suas escolhas. A derrota da
intolerância passa pelo conhecimento atencioso do outro e da acolhida
respeitosa de suas diferenças.
2. O JEJUM DO ÁLCOOL (de 13 a 19 de março) Já reparou que o álcool é
companheiro inseparável de nossos finais de semana e de nossos momentos de
lazer. Toda vez que um grupo de pessoas quer se encontrar o ponto marcado é
quase sempre a mesa de um barzinho. Pode até desistir alguém, mas o álcool
nunca pode faltar. Ele é o convidado número 1, o centro das atenções. A
conversa sempre rola com um copo na mão. Sem ele não rola nada. Com ela o
assunto desce redondinho. A coisa piora com as festas. Balada sem álcool nem
pensar. É caretice. Ele é o grande anfitrião. A lista das bebidas é mais
importante da lista dos convidados. O sucesso do evento depende delas. Os
comentários do dia seguinte não deixam dúvidas. É o álcool que manda ou
desmanda. A curtição está intimamente ligada a ele. Beber se torna mais
importante do que se encontrar. A bebida tem a melhor sobre as pessoas.
Damos mais atenção a ela do que a nós mesmos e aos outros. Bebemos sem
limites e acabamos perdendo todos os limites.
Que tal mudar isso? Na segunda semana da Quaresma queremos aprender a curtir
sem álcool. Não estou dizendo que tomar bebidas alcoólicas é pecado. Mas é
um verdadeiro pecado quando elas se tornam as protagonistas das diversões e
das baladas. Será que precisamos beber para ficarmos divertidos? Será que
alcançamos um grau de chatice que não somos mais capazes de dar conta de uma
festa sem o álcool? Porque para se divertir ou relaxar precisamos beber em
excesso? O álcool atrapalha. Não é verdade que nos torna mais desinibidos.
Ele distorce nossos sentidos. Altera nossa percepção das coisas e das
pessoas. Inclusive deixa as pessoas mais violentas e deprimidas. É muito
freqüente ver bêbado brigar, se acabar no choro ou cair num sono profundo. O
que sobra é a ressaca do dia seguinte e uma grande dor de cabeça, que pode
ser ainda maior dependendo das besteiras que fizemos na hora de encher a
cara. É hora de parar e refletir sobre isso. O excesso de consumo de álcool
é um verdadeiro problema de saúde pública. Está nos atrapalhando. Se
estivermos insatisfeitos com nossa vida e com o mundo, a melhor coisa a
fazer é ficar sóbrios para mudar a realidade. Se a festa for chata vamos
colocar para funcionar nossa criatividade para torná-la mais alegre. A vida
é melhor sem dependências.
Nessa semana nosso jejum vai ser desistir do álcool. Convidem os colegas
para sair para jogar conversa fora, mas sem levar o álcool. Na sobriedade
ativem os cinco sentidos. Deixem o paladar sentir o gosto da amizade
autêntica, o sabor das conversas descontraídas e o prazer das gargalhadas.
Aprendam a conversar de cara limpa, sem se esconder atrás de um copo de
cerveja. Inventem novas formas de curtição “ao natural”. Procurem conhecer
os outros de olhos limpos, de ouvidos atentos, sem a distorção do álcool.
Deixem a pé o álcool e vão encarando a vida sem depender dele. Se lhe der
muita corda vai virar escravo dele, como diz um famoso provérbio chinês:
“Primeiro o homem bebe um copo. Depois o copo bebe outro copo e, no final, o
copo bebe o homem”. Gole após gole a cachaça engole. Jejuar do álcool é
atitude de responsabilidade e de consideração com a própria vida e aquela
dos outros.
3. O JEJUM DO BARULHO (de 20 a 26 de março) O outro dia estava lendo no
jornal que estão aumentando assustadoramente os problemas de audição. Não
podia ser diferente. Vivemos o tempo todo imersos em sons e ruídos. Parece
que não somos mais capazes de viver sem barulho. Em casa tem sempre alguma
coisa ligada. Às vezes há mais de um aparelho eletrônico plugado ao mesmo
tempo. A TV fica ligada o dia inteiro. No carro não dá para andar sem o som
ligado. Há pessoas inclusive que montam um verdadeiro arsenal de caixas de
som no porta-malas transformando seus carros em trios elétricos. Até quem
anda a pé não consegue se desligar. É fone no ouvido o tempo todo e a todo
volume. É um barulho ensurdecedor que não deixa fazer silêncio, que impede a
escuta de si mesmo, dos outros e de Deus. Parece uma fuga de si mesmo e uma
imersão numa situação de torpor para ajudar a esquecer os problemas de cada
dia.
Nesta semana queremos aprender a fazer silêncio. Vários ditados populares
dão importância ao silêncio: “Deus nos deu uma boca e dois ouvidos para que
possamos menos falar e mais ouvir”; “Manter a boca fechada e os olhos bem
abertos”, diz uma versão italiana; “Em boca fechada não entra mosca”, dizem
os espanhóis e portugueses. Enfim, o provérbio árabe “cada palavra que tu
falas é uma espada que te ameaças” induz à prudência e ao cálculo sobre o
que, como e em que ocasião falar. De qualquer forma o silêncio é de ouro. É
importante para o nosso equilíbrio e principalmente para nos encontrarmos
com nós mesmos, com os outros e com Deus. É um exercício que nos ajuda a
refletir, a afinar o sentido da audição e a melhorar a comunicação. Por
isso, durante esta semana, façam o jejum da TV e do rádio para prestar mais
atenção a si mesmos, aos outros e a Deus. Evitem falar alto e falar pelos
cotovelos. Não assistam à televisão durante as refeições. Usem estes
momentos para dialogar com seus familiares. Substituam os programas
televisivos, sobretudo aqueles de baixo nível, com uma boa leitura. Na hora
de dialogar com os outros, ouçam com carinho, sem interromper. Dediquem mais
tempo á leitura, à meditação da Palavra de Deus e à oração.
Não dá para se encontrar com Deus na bagunça. É quanto nos revela a
experiência do Profeta Elias (1Re 19, 11-14): passou um vento impetuoso e
Deus não estava; depois houve terremotos e Deus não estava; veio o fogo e
Deus não estava, e depois “ouviu-se” o murmúrio de uma brisa leve e suave e
Deus se manifestou ao Profeta, o qual, ante a presença do Senhor, cobriu o
rosto.
O próprio Jesus quando quer rezar se afasta das multidões, se retira para um
lugar deserto e permanece em silêncio. Inclusive, insiste sobre o silêncio
quando nos ensina a necessidade da oração interior: “Tu, porém, quando
orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai que está
escondido. E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa. Quando
orardes, não useis de muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que
serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois o
vosso Pai sabe do que precisais, antes de vós o pedirdes.” (cf. Mt 6, 6-8).
Buscar o silêncio na oração, portanto, é uma atitude decisiva porque que nos
leva à contemplação do rosto de Deus e das verdades eternas que são
indispensáveis para temperar a vida com os sabores da eternidade.
4.O JEJUM DA WEB (de 27 de março a 2 de abril) O saudoso Chacrinha tinha
razão: “Quem não se comunica, se trumbica”. O ser humano é por sua natureza
um ser comunicativo. Sem comunicação, ele não sobreviveria, as relações
sociais ficariam comprometidas e o mundo afundaria. Portanto, a comunicação
é vida. A humanidade sabe disso. Ao longo de sua história investiu muito no
aprimoramento dos meios de comunicação. Primeiro aprendeu a falar, depois a
escrever. Inicialmente limitou-se a comunicar por perto. Depois, com a
descoberta de outros mundos e a invenção dos meios de comunicação, foi se
conectando com o mundo todo. Hoje, através da internet, a comunicação não
conhece fronteiras. Em poucos instantes é possível se comunicar de um lado
ao outro do planeta sem nenhum esforço e a custo zero.
Porém, apesar dos sofisticados meios de comunicação que garantem contatos
rápidos e a qualquer distância, a comunicação do dia-a-dia sofre muitas
interferências e acaba falhando. Longos silêncios, dificuldades de se
expressar e de ouvir, incompreensões, linguagens diferentes são algumas das
falhas que dificultam a comunicação.
Há pessoas que passam muitas horas do dia frente a um computador navegando
pelas ondas cibernéticas, em altos papos com internautas do mundo inteiro,
mas que não trocam nem uma palavra com os membros de sua família e com os
vizinhos. Estão interconectados à distância, mas desligados dentro de casa,
no trabalho e com a vizinhança. Há alguém que diz que a internet aproxima
quem está longe e afasta quem está perto. Essa afirmação, em parte, tem
sentido. Para alguns é muito mais fácil comunicar on-line do que encarar o
outro e lidar com o desconforto de não saber para onde olhar. Preferem as
relações virtuais porque não envolvem, dispensam o contato físico, são menos
comprometedoras daquelas reais. É o paradoxo dos nossos dias: no mundo da
comunicação de massa, as pessoas não comunicam direto. A falta de
comunicação é a maior queixa, em casa, na escola, no emprego e na sociedade.
Muitos problemas que infernizam nossa vida e muitos mal entendidos, até
engraçados, podem ser debitados às falhas na comunicação.
O que podemos fazer? Nessa semana vamos viver off-line. Não estou pedindo
para desligar totalmente o computador, mas de reduzir o tempo que lhe
dedicamos usando-o somente para aquilo que é estritamente necessário na
nossa vida pessoal e profissional. O mesmo jejum cibernético pode ser pedido
para as crianças e adolescentes quanto ao uso de jogos eletrônicos. O que
lhes peço é sair do mundo das relações virtuais para encarar as relações
reais. Vamos priorizar o face-a-face, o contato físico, o cuidado. O jejum
da internet vai nos ajudar a afinar todos os sentidos, sobretudo do tato e
do olfato. Vamos voltar a sentir o prazer da presença física do outro, mesmo
se isso nos inquieta, nos questiona e nos interpela. Vamos dedicar tempo à
nossa família. Vamos voltar a brincar com nossos filhos. É muito mais
saudável bater uma bola do que ficar colado numa cadeira vidrado numa
telinha. Inclusive, o tempo que costumamos passar fechados no quarto diante
do computador seja utilizado para tocar com mão as realidades humanas,
sobretudo aquelas marcadas pelo sofrimento. Dediquemos esse tempo à prática
da solidariedade. No dia do aniversário de amigos e parentes, quando for
possível, substitua os torpedos e os e-mails com um abraço bem dado. Todos
nós estamos precisando disso para humanizar as nossas relações.
5.O JEJUM DA VIOLÊNCIA (de 3 a 9 de abril)
Alguns dias atrás o Ministério da Justiça publicou o Mapa da Violência. De
1998 a 2008 no Brasil foram assassinadas 521.822 pessoas. Cinqüenta mil
mortos por ano. O dado que assusta ainda mais é que a maioria destas vítimas
é constituída por jovens com idade entre 15 e 24 anos. É assustador. O
Brasil vive uma verdadeira guerra civil. Precisa fazer alguma coisa para
parar esta carnificina. A sociedade está apavorada, mas não consegue dar
respostas adequadas. Vive aprisionada em profundas contradições. Cria bodes
expiatórios em cujas costas joga a culpa daquilo que está acontecendo e
invoca um recrudescimento da repressão como medida necessária para
reverter o quadro. Os meios de comunicação, por sua vez, fazem da violência
um espetáculo. Não nos informam sobre as razões e riscos da violência, mas
sobre a própria violência. Não suscitam uma opinião pública, mas uma emoção
pública. “A informação a que somos submetidos faz de nós voyeurs que vêem os
outros sofrer e morrer. Já não temos qualquer distanciamento em relação ao
acontecimento que se desenrola sob os nossos olhos em tempo real. Sem ele,
já não há lugar para o pensamento” (Müller). A violência é um fenômeno
irracional que está sendo enfrentado de maneira irracional.
Para reverter este quadro precisamos começar admitindo que a violência não é
um surto, uma onda, um acidente da civilização. Ela é um fato da
civilização. Ela é paradigmática. Faz parte do paradigma dominante. Não é
episódica, algo que está acidentalmente no caminho, mas algo metódico que
perpassa todo caminho. Faz parte da modernidade. A razão moderna é violenta.
A cultura dominante de hoje se estrutura ao redor da vontade de poder que se
traduz por vontade de dominação da natureza, do outro, dos povos e dos
mercados. Nas festas nacionais os heróis são ligados a acontecimentos de
guerra e de violência. Na vida do dia-a-dia o militar, o banqueiro, o
especulador, o poderoso, o experto em geral valem mais do que o poeta, o
filósofo, o santo. Nos meios de comunicação a violência é corriqueira e
banalizada. O ser humano não vale por aquele que é, mas por aquilo que
aparece, que pode e que possui. Nas relações humanas vigora a lei do mais
forte, numa concorrência eliminatória onde triunfa o poderoso. Nas relações
de trabalho há muita competitividade e nas relações comerciais impera a
concorrência desleal. Há uma inversão de valores. Nossa sociedade prefere
homens-coisas a homens-pessoas; individualistas a seres solidários;
competitivos a cooperativos; bem informados, mas pouco pensantes; clientes a
protagonistas; vingativos a misericordiosos; homo consumens a homo sapiens.
Neste contexto a vitória sobre a violência não passa pelo aumento do efetivo
policial ou pelo recrudescimento das penas, mas somente por uma profunda
conversão que leve a uma mudança de paradigmas na vida pessoal e social. À
cultura da violência e da morte precisa substituir a cultura da Paz que deve
permear todas as nossas escolhas. Não adianta invocar a paz se em casa, no
trabalho, no trânsito, na economia e nas relações interpessoais assumimos
posturas agressivas, violentas, desrespeitosas com a vida, em todas suas
manifestações, e com a dignidade dos outros. A Paz é a gente que faz. Começa
em nossa vida, em nossa casa, em nossa igreja... Chega de brigas em casa, no
condomínio, no serviço, na escola. Comprometemos em primeira pessoa a
quebrar o círculo vicioso da violência. Desarmemo-nos. Desarmemos nossa
língua evitando expressões agressivas. Despimo-nos da presunção de termos
sempre razão. Ouçamos com atenção a opinião dos outros. Tratemos com
cordialidade nossos adversários. Procuremos abrir um canal de diálogo.
Respeitemos a vida e a dignidade de cada pessoa, sem nenhum tipo de
discriminação. Pratiquemos a não-violência ativa, rejeitando a violência em
quaisquer de suas formas (física, sexual, psicológica, econômica e social),
especialmente em relação aos mais fracos e vulneráveis, como crianças e
adolescentes. “O primeiro princípio da ação não-violenta é a não-cooperação
com tudo que é humilhante” (Mahatma Gandhi). Cultivemos a generosidade,
compartilhando o tempo e os recursos materiais, a fim de terminar com o
egoísmo, a exclusão, a injustiça e a opressão política e econômica. “A
generosidade - o amor - é o fundamento de toda socialização porque abre um
espaço para o outro ser aceito como ele é. E, a partir daí, podermos
desfrutar sua companhia na criação do mundo comum, que é o social” (Humberto
Maturana). Defendamos a liberdade de expressão e a diversidade cultural,
privilegiando sempre a escuta e o diálogo, sem ceder ao fanatismo, nem à
maledicência e à rejeição ao próximo: “Em um diálogo não há a tentativa de
fazer prevalecer um ponto de vista particular, mas a de ampliar a
compreensão de todos os envolvidos” (David Bohm). Redescubramos a
solidariedade, saindo da casca do individualismo e unindo-nos aos outros
para buscar o bem comum e o desenvolvimento das comunidades.
7.O JEJUM DA GASTANÇA (de 10 a 16 de abril) Camisas e vestidos de marcas
famosas no armário. Fim do salário muito antes de acabar o mês. Atração
fatal pelo Shopping. Vontade de comprar um jeans uma semana depois de ter
adquirido um novo... Se você se identificou com alguma dessas
características, pode-se dizer que está inserido no grupo de consumidores
vorazes, capaz de gastar muito dinheiro em coisas supérfluas.
O consumismo é febre mesmo. É doença grave e contagiosa. Ataca quem tem
cabeça fraca e se deixa levar pela conversa. O principal sintoma é uma
vontade louca de gastar e comprar sem necessidade. Serve-se de sofisticadas
artimanhas e de arapucas mercadológicas para conquistar e aprisionar o
consumidor inveterado. Seus efeitos são arrasadores. Se não se cuidar, o
consumidor acaba entrando numa gastança onde, ao consumir, é consumado; ao
gastar, se gasta e se desgasta.
Por trás de tudo isso tem a eterna insatisfação do ser humano. Este está
sempre em busca de algo a mais. Tem fome de felicidade. A propaganda sabe
disso e tira proveito. Com seus efeitos especiais cria água na boca dos
consumidores. Suas propostas tornam-se irrecusáveis aos paladares dos
consumidores. O resultado é sempre o mesmo: o superficial se torna
essencial, o secundário transforma-se em prioridade e o descartável é
imposto como imprescindível. O ser humano é induzido a gastar para ser
feliz. Como diz H. Fromm, para o homem moderno a felicidade consiste em
olhar as vitrines e comprar à vista ou em parcelas tudo o que pode se
permitir, independentemente se for útil ou não. É o triunfo da cultura da
casca. O ter tornou-se mais importante do ser. A aparência deixou para trás
a essência. O cara é o tal pelo dinheiro e se estiver na moda. O que manda é
o poder aquisitivo. Vale quem tem dinheiro no bolso para gastar.
Toda esta voracidade tem efeitos devastadores para o planeta e a humanidade.
O consumo desenfreado acelera o desgaste das matérias primas, a destruição
do meio ambiente e o aumento vertiginoso da miséria. Enquanto uns pouco se
dão ao luxo de desperdiçar, grandes multidões são condenadas a fome.
Uma boa parte daquilo que é produzido acaba no lixo. O planeta está se
transformando numa imensa lixeira. Os recursos hídricos arriscam de acabar
e o deserto avança em ritmo vertiginoso.
Se quisermos salvar o planeta de um desastre ecológico e boa parte da
humanidade das conseqüências da fome temos que gastar menos e tomar as
distâncias das empresas que visam somente o lucro sem se importar com o meio
ambiente e com os direitos dos trabalhadores. Em outras palavras precisamos
entrar no caminho da sobriedade e do consumo crítico.
A sobriedade é um estilo de vida que consegue distinguir entre as
necessidades reais e aquelas impostas pela propaganda e que condiciona o seu
consumo ao respeito pelo meio ambiente e ao acesso universal aos bens da
terra.
A sobriedade se sustenta sobre quatro pilares:
Reduzir: buscar o essencial, resistindo às pressões da propaganda.
Recuperar: re-utilizar tudo até que for possível usando, sobretudo material
reciclável.
Reparar: não jogar fora nada que possa ser reformado e re-utilizado.
Respeitar: tratar com carinho tudo aquilo que torna possível a vida.
Durante esta semana procuremos viver sobriamente. Compremos o estritamente
necessário. Procuremos conhecer melhor as firmas dos produtos que compramos.
Boicotemos aquelas que não têm um histórico de respeito pelos direitos dos
trabalhadores e pela natureza. Não nos deixemos levar pelas modas. A
verdadeira originalidade é o estilo da pessoa. Recuperemos os velhos
vestidos ou doamo-los a quem precisa. Desliguemos as luzes quando não há
necessidade, cuidemos do consumo da água e façamos a coleta seletiva do
lixo. Investimos o que poupamos para um projeto de solidariedade.
Não são os bens materiais que fazem feliz o ser humano. Eles podem até
ajudar, sobretudo quando satisfazem as necessidades básicas. Mas quando são
absolutizados, tiranizam as pessoas e as escravizam. Feliz é o ser humano
que busca adquirir aqueles conhecimentos morais, religiosos, profissionais e
humanos que o ajudam a cultivar o ser e a viver como gente de verdade.
8.O JEJUM DA VIDA ESTRESSADA (de 17 a 23 de abril)
“O nosso desejo despreza e descuida do que tem nas mãos, para correr atrás
daquilo que não tem” (Michel de Montaigne). É isso mesmo. A nossa sociedade
sofre de estresse. É o mal do século. O nosso dia-a-dia é uma verdadeira
loucura, um correr atrás do tempo, uma lista interminável de tarefas a
cumprir. Quem manda é a agenda. O tempo está totalmente loteado. Até as
crianças estão com a agenda lotada. Não temos mais tempo para a família,
para a igreja, para contemplar a beleza de uma paisagem, para relaxar, para
cultivar um hobby, para passear, para cheirar os perfumes das flores, para
ficar á toa... Não paramos nem diante do sofrimento e da morte. Não temos
tempo de visitar um doente ou de participar de um enterro. Parece ter uma
ordem peremptória: “Não dá para parar. O tempo é dinheiro”. No mundo
dominado pelo capital o tempo passa a ter valor na medida em que gera lucro.
Todas as atividades marcadas pela gratuidade, pela solidariedade, pela
afetividade não passam de tempo desperdiçado.
Nessa última semana, ao fazer o jejum do estresse, queremos nos apoderar do
tempo. O tempo é vida. É precioso. Daí a necessidade de sabê-lo administrar
bem. Uma das causas do estresse, de fato, é o mau uso do tempo. “O tempo
não é como as riquezas, que podem ser acumuladas para uso posterior. Quem
não administra o seu tempo joga sua vida fora, porque um dia só pode ser
vivido uma vez. Se o tempo de um dia não for usado sabiamente, não há como
aproveitá-lo no dia seguinte. Amanhã será sempre um novo dia e o hoje
perdido terá sido perdido para sempre.” (Eduardo Chaves).
O uso sábio do tempo depende dos objetivos que pretendemos alcançar e dos
valores que orientam nossas escolhas. Se o nosso alvo principal é ganhar
dinheiro, é claro que todo o nosso tempo será investido nisso. As outras
coisas serão imoladas no altar do lucro. Se, ao contrário, acreditarmos que
a vida, além das coisas materiais, é feita de espiritualidade, afetividade,
gratuidade e solidariedade, então organizaremos o nosso tempo para que haja
espaço também para estas dimensões. Jejuar do estresse, portanto, significa
sentir o gosto do tempo bem empregado para o desenvolvimento integral do ser
humano.
Por isso:
“Tire um tempo para pensar
Trova il tempo di pregare Tire um tempo para orar Trova il tempo di ridere
Dedique tempo para rir È la fonte del potere É a fonte de energia È il più
grande potere sulla Terra É a maior potência da Terra È la musica
dell'anima. É a música da alma.
Trova il tempo per giocare Tome tempo para brincar Trova il tempo per amare
ed essere amato Dedique tempo para amar e ser amado Trova il tempo di dare
Encontre tempo para dar È il segreto dell'eterna giovinezza É o segredo da
eterna juventude È il privilegio dato da Dio É o privilégio dado por Deus La
giornata è troppo corta per essere egoisti. O dia é demasiado curto para ser
egoísta.
Trova il tempo di leggere Encontre tempo para ler Trova il tempo di essere
amico Encontre tempo para ser amigo Trova il tempo di lavorare Dedique tempo
para trabalhar È la fonte della saggezza É a fonte de sabedoria È la strada
della felicità É o caminho para a felicidade È il prezzo del successo. É o
preço do sucesso.
Trova il tempo di fare la carità Encontre tempo para fazer caridade È la
chiave del Paradiso. É a chave para o paraíso.”-- Anonimo ( scheda )
Boa Quaresma para uma Feliz Páscoa de Vida Nova.
Pe. Saverio Paolillo (PE. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo REDE AICA –
Atendimento Integrado à Criança e ao Adolescente